domingo, 13 de junho de 2010

TODO MUNDO E NINGUÉM


ACHEI DUK... ESSE TEXTO EXTRAIDO DO AUTO DA LUSITANA DE GIL VICENTE.
SUUUUUUUUUUUUUUUUPER ATUAL


Ninguém:
Que andas tu aí buscando?



Todo o Mundo:
Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém ando porfiando
por quão bom é porfiar.



Ninguém:
Como hás nome, cavaleiro?



Todo o Mundo:
Eu hei nome Todo o Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo.



Ninguém:
Eu hei nome Ninguém,
e busco a consciência.



Belzebu:
Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.



Dinato:
Que escreverei, companheiro?



Belzebu:
Que Ninguém busca consciência.
e Todo o Mundo dinheiro.



Ninguém:
E agora que buscas lá?



Todo o Mundo:
Busco honra muito grande.



Ninguém:
E eu virtude, que Deus mande
que tope com ela já.



Belzebu:
Outra adição nos acude:
escreve logo aí, a fundo,
que busca honra Todo o Mundo
e Ninguém busca virtude.



Ninguém:
Buscas outro mor bem qu'esse?



Todo o Mundo:
Busco mais quem me louvasse
tudo quanto eu fizesse.



Ninguém:
E eu quem me repreendess
em cada cousa que errasse.



Belzebu:
Escreve mais.


Dinato:
Que tens sabido?



Belzebu:
Que quer em extremo grado
Todo o Mundo ser louvado,
e Ninguém ser repreendido.


Ninguém:
Buscas mais, amigo meu?



Todo o Mundo:
Busco a vida a quem ma dê.


Ninguém:
A vida não sei que é,
a morte conheço eu.



Belzebu:
Escreve lá outra sorte.



Dinato:
Que sorte?



Belzebu:
Muito garrida:
Todo o Mundo busca a vida
e Ninguém conhece a morte.



Todo o Mundo:
E mais queria o paraíso,
sem mo Ninguém estorvar.



Ninguém:
E eu ponho-me a pagar
quanto devo para isso.


Belzebu:
Escreve com muito aviso.


Dinato:
Que escreverei?


Belzebu:
Escreve
que Todo o Mundo quer paraíso
e Ninguém paga o que deve.



Todo o Mundo:
Folgo muito d'enganar,
e mentir nasceu comigo.


Ninguém:
Eu sempre verdade digo
sem nunca me desviar.


Belzebu:
Ora escreve lá, compadre,
não sejas tu preguiçoso.


Dinato:
Quê?


Belzebu:
Que Todo o Mundo é mentiroso,
E Ninguém diz a verdade.


Ninguém:
Que mais buscas?


Todo o Mundo:
Lisonjear.


Ninguém:
Eu sou todo desengano.


Belzebu:
Escreve, ande lá, mano.


Dinato:
Que me mandas assentar?



Belzebu:
Põe aí mui declarado,
não te fique no tinteiro:
Todo o Mundo é lisonjeiro,
e Ninguém desenganado.

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